Anonimato
Uma das principais características das sociedades urbanas é o anonimato. Transitando por viadutos ou morando em edifícios lotados, o indivíduo jamais espera cumprimentar um conhecido no shopping e sequer sabe o nome do vizinho que encontra todo dia dentro do elevador. Isso é o que ocorre em grandes cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. O anonimato restringe o controle social e, por isso, é uma faca de dois gumes: por um lado, libera o indivíduo para a realização de seus desejos sem os olhares repressivos da moral, por outro, o transforma em mais um solitário na multidão sem vínculos de solidariedade.
Em sociedades ainda provincianas e tradicionais como Campos, o anonimato não chegou. Ou se chegou, é ainda muito frágil. Entre as elites, as colunas sociais dão conta de adornar brasões ou fabricar celebridades instantâneas. Entre as classes polulares, o controle da familia e da vizinhança chega a ser rigoroso através de instrumentos como o machismo e a fofoca. Caberia às camadas médias, portanto, a ênfase do individualismo, conferindo à família e às instituições um lugar englobado pelo fluxo e refluxo de um acionar de relações centrado na vontade e no interesse do indivíduo. Mas a classe média campista não atua neste sentido extamente porque o anonimato aqui é muito esparsado e, consequentemente, as repressões morais funcionam através da desaprovação e do repúdio social.
O mundo virtual, diante deste cenário, funciona como válvula de escape. Protegidos pelos apelidos e pela invisibilidade da tela, os indivíduos saem dos armários de seus recalques sem medo do retorno da crítica. É isso o que acontece nas salas de bate-papo do ciberespaço. E é isso também o que chega para nós, blogueiros da Folha: opiniões mal educadas, acusatórias e ofensivas de pessoas que se escondem atrás de apelidos no mínimo inusitados, para não dizer ridículos. A pergunta que me faço é: quais são os temores desses pseudoanônimos se vivemos numa sociedade democrática? Sim! Absolutamente democrática, contando que as identidades sejam reveladas para que direitos e deveres sejam requeridos.
N’o cru e o cozido, posto todos os comentários, ainda que criticamente contrários ao que escrevo, desde que os leitores se revelem. Isso é regra básica e não censura. Não escrevo no anonimato. O meu rosto e o meu nome estão estampados no jornal toda semana, expostos a toda sorte de antipatias. Então, o mínimo que posso exigir é uma relação de igual pra igual. Uma crítica devidamente assinada revelaria o bom senso e a abertura para o diálogo daqueles que escrevem. É fácil ser agressivo mascarado, da mesma forma que é confortável soltar a franga nas megalópolis. Não é para o Rio, quando não para Europa, que vão muitos campistas no fim de semana?
Esse anonimato que produz falas de viés é próprio de gente que arrota democracia, mas, no fundo, está ruminando sua própria tirania. Ao contrário da “Noite dos mascarados”, cantada por Chico Buarque e Nara Leão, nem preciso saber “quem é você” porque, não tenho dúvida, os anônimos são sempre os que, no dilema do prisioneiro da teoria dos jogos, optam pela covardia. São vergonhosas fraudes. Caso contrário, não temeriam a própria assinatura. No mundo virtual, pode até ser que o anonimato esconda certas fraquezas, sobretudo, as de caráter. Mas no mundo real, os fracos não têm vez.
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